Sabe quando, às 23 horas, você está em casa e se dá conta de que deixou de passar uma informação superimportante para aquele colaborador que amanhã terá reunião com um possível novo cliente? Você pensa: “Meu colaborador não pode ir para a reunião amanhã sem saber disso! Vou passar um áudio agora mesmo!” Como não veio resposta após o seu áudio, no dia seguinte, logo cedinho, às 6 da manhã, você manda uma mensagem de texto perguntando para seu colaborador se ouviu seu áudio ontem à noite. Silêncio do outro lado. Seu colaborador não responde. Você, preocupada, manda sucessivas mensagens às 7 horas, às 7:30h, até às 9 horas, horário em que a reunião está começando. Um pouco mais tarde seu colaborador chega na empresa. A reunião foi ótima e ele conseguiu o novo cliente. Mesmo assim você chama atenção do seu colaborador por não ter respondido suas mensagens após o horário de trabalho no dia anterior e antes do horário de trabalho naquele dia.
Quem estava errado nessa história, o colaborador que não respondeu mensagens fora do horário de trabalho, ou você, que enviou mensagens fora do horário de trabalho? A errada é você porque seu colaborador tem um direito chamado direito à desconexão.
O direito à desconexão é o direito que o empregado possui de, em determinados períodos, se desconectar do trabalho física e mentalmente. É o direito que “esquecer” da empresa e poder utilizar o tempo do modo que desejar: descansando, se distraindo, ficando com a família, etc.
Não existe na legislação brasileira norma específica sobre o direito à desconexão. Existe regra sobre a jornada máxima diária, que é de 8 horas, com possibilidade de mais 2 horas extras e existe o art. 6º da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que equipara o trabalho realizado na empresa ao trabalho realizado na casa do empregado, ou em qualquer outro lugar.
Com a pandemia de Covid-19 ficou mais claro que nunca para empregadores e empregados, que trabalho não é apenas a atividade realizada na empresa. O simples fato de o empregado estar em casa não significa, necessariamente, que não possa estar trabalhando. Se o empregador faz contato com o empregado fora do horário do expediente para falar sobre trabalho, está violando o direito à desconexão.
O desrespeito ao direito à desconexão não é novo. Deve ter surgido no Brasil juntamente com a chegada dos dispositivos telemáticos e informatizados. Ações envolvendo este tema não são novidade nos corredores da Justiça do Trabalho. Porém, com a pandemia e a adoção expressiva do trabalho remoto, os abusos por parte dos empregadores se tornaram mais frequentes. É o que ficou demonstrado através do aumento de mais de 100% desde 2020 dos processos trabalhistas citando termos como “direito à desconexão” ou “desconectar do trabalho”.
Desde 2016 a França possui lei sobre o direito à desconexão, segundo a qual as empresas devem negociar com os sindicatos regras sobre trabalho fora da jornada.
A Espanha oficializou em 2018 o direito dos trabalhadores à desconexão durante folga, licença e férias.
Já a Itália possui lei que regula o direito à desconexão apenas para os trabalhadores remotos.
Portugal regulamentou em 2021, apenas com relação aos trabalhadores em regime de teletrabalho, o dever do empregador de se abster de entrar em contato durante os períodos de descanso.
Como fica a situação do trabalhador brasileiro diante da ausência de lei específica e da insistência de muitos empregadores em manterem contato por meios eletrônicos fora do expediente?
Se situações como a do nosso exemplo se repetem com frequência, acabam por causar abalos à saúde mental e até física dos colaboradores. Ser humano não é máquina e precisa ficar “offline” para recarregar as energias. Se a empresa insiste em mandar mensagens por aplicativos ou e-mail a qualquer momento do dia, o trabalhador poderá buscar compensação financeira pelo abalo emocional através de uma ação trabalhista.
Será que esse tipo de cobrança/controle aumenta tanto a produtividade dos colaboradores e o lucro da empresa, a ponto de valer o risco de uma ação trabalhista?
Diante da lacuna na legislação brasileira, o melhor para empregador e empregado é estabelecerem normas claras e razoáveis sobre as comunicações e requisições fora do horário do expediente. Mesmo para a microempresas com menos de 20 empregados esta recomendação é válida. Conversem, combinem as regras e coloquem no papel. Nas empresas maiores, em que os trabalhadores estão divididos em equipes ou setores, cabe aos gestores garantirem que todas as lideranças estão seguindo as normas pactuadas. Não podemos esquecer que a empresa responde judicialmente pelos atos dos seus prepostos.
Como são feitas na sua empresa as comunicações fora do horário de trabalho?